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Sobre a Vida
Data
- December 25, 2023
Criador
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Ele não esperava nada daquela manhã de setembro quando, voltando do mercado, a ouviu cantar pela primeira vez.
Ele já tinha acreditado no destino e seus agregados, mas hoje isso já parecia ter sido em outra vida. Suas namoradas de adolescência escutaram tanto sobre almas gêmeas e metades da laranja e coisas que simplesmente são pra ser.
Não foi um momento ou um amor específico que mudou tudo, mas sim os começos e fins acumulados. Em algum lugar entre a menina de cabelo azul escuro que ria alto e a fotógrafa cuja mãe nutria por ele um ódio mortal, algo havia se perdido.
Pelos últimos anos, ele vinha amando com pressa, pela metade. Ele se arrastava entre amores de verão e de inverno, os esticando por quantas estações pudesse, conseguisse. Estava cansado, exausto de tentar, é a verdade, mas não descansava sozinho porque era humano, e, como todos nós, desesperado para amar e ser amado. Sentia que estava correndo atrás de algo que nem existia. Em algum lugar no meio do caminho, ele tinha feito uma confusão quase fatal: que a não-existência do destino de alguma forma implicava que o amor não era mágico assim.
Ele vai continuar não acreditando em destino ou almas gêmeas ou metade da laranja, mas toda vez que olhar dentro de seus grandes olhos pretos, ele vai pensar que se pessoas nascem um pra outra, ele teria nascido pra ela, mas que bom que não nascem.
Sem aviso algum, em uma manhã de terça-feira qualquer na segunda manhã de setembro, tudo mudaria. Era seu dia de folga e ele voltava do mercado com as mãos cheias de sacolas plásticas entupidas, passos largos em direção ao lembrete que ele não sabia que precisava. Ele passou por um restaurante meio vazio onde nunca tinha entrado antes. Do lado de fora, um cachorro com a coleira presa na cadeira de uma menina pequena comida os restos de comida que ela derrubava e duas idosas conversavam alto entre goles de café, mas ele não reparou em nada disso. A única coisa que existia no mundo era voz da moça de cabelos cacheados que cantava com violão na mão. não era de seu feitio pensar pouco mas naquela manhã não havia porque. Ele entrou no restaurante e sentou ali na mesa mais distante dela, apenas ouvindo.
Nos próximos meses ele teria mais certeza do que nunca que realmente não acredita em destino.
Pela primeira vez em muito tempo, ele não sentiria um peso no peito ou o prelúdio de um coração partido por isso. Não, ele riria sozinho da ideia de que em um dia qualquer andando por aí de um lugar para o outro, atravessou a rua e passou por um restaurante no qual nunca havia reparado e ali ela estava. Ele vai continuar não acreditando em destino ou almas gêmeas ou metade da laranja, mas toda vez que olhar dentro de seus grandes olhos pretos, ele vai pensar que se pessoas nascem um pra outra, ele teria nascido pra ela, mas que bom que não nascem. É tão mais mágico que por razão alguma, de alguma forma, em uma terça qualquer ele passou por ela na rua e não quis continuar andando.
Ele sabia que falaria com ela eventualmente. Ele sabia que levantaria da cadeira enferrujado, andaria até ela devagar e perguntaria seu nome, e sentia uma suspeita inexplicável de que a conversa duraria horas, dias, semanas, meses, anos. Mas não estava com pressa. A voz dela era linda e até o anoitecer ele ficou ali sentado, distante, ouvindo seu futuro cantar.
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