Se você morrer hoje, está em paz com isso? 

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Por Mari Ostermann

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Você morreu um pouco hoje, e ontem. A gente já nasce morrendo experimentando perdas, quase que constantemente. Mesmo que saibamos de fato sobre nossa finitude, gostamos e ignorá-la ou maldizê-la. A morte, do corpo ou das coisas, tem para muitos de nós um retrogosto de fracasso, falha, ou castigo. A gente sabe que as coisas e vidas são finitas mas preferimos a ilusão do “para sempre”, para tudo que nos serve ou desperta afeto. A morte, porém, é o desafio evolutivo para o apego. Apego este que, na perda, podemos tentar ignorar, afinal, a perda nos chama para viver o luto, e este… este exige disponibilidade. 

Na atual sociedade do gozo, percebo um evitamento do luto, quer-se já virar a página. Parece mais fácil, economiza-se tempo,  já que a tristeza e o vazio dão trabalho, um trabalho que poderíamos encarar melhor. Afinal, mortes de todas as naturezas virão para quem está vivo.  

Se pensarmos de forma atômica ou molecular, a cada morte há uma devolução de partículas para o cosmos, que podem se organizar criativamente em outro ser. Ou seja, toda vida passa pela morte e volta a ser vida. E a gente se apega mesmo, a gente sente a dissolução. Fingir que não, também seria negar nosso sistema límbico e nossa memória. Temos emoções e sentimentos, assim como tantas outras espécies têm. Também é natural termos o desejo de continuidade, por isso nos reproduzimos. Mas não de forma individual e sim sistêmica. Porém, confundimos isso. Queremos o “para sempre” para o que é naturalmente passageiro, individual, queremos imortalidade às coisas e pessoas com as quais usamos pronomes possessivos.  

Perder é fato irreparável. Todos perderemos. Mas viver o luto em todas as suas fases, entrando pela fase da negação e atravessando-o até a fase da aceitação completa, devolve para a vida o que é da vida.

Porque então, não nos ocupamos da existência com uma postura mais pacífica perante a finitude do que é finito? E, quiçá, ocupemo-nos mais do que pode ser infinito (ou ao menos, mais longevo que nossos corpos): a impressão que deixamos nos que passam por nós nesta terra. O tal do legado sincero, bonito, autêntico: ser o que você é e espalhar suas boas sementes. O aprendizado sobre nós mesmos. A troca. 

Viver o compromisso de poder fazer algo bom da vida que se ganhou, esta experiência misteriosa num planeta flutuante. Para os céticos, talvez sejamos apenas um fruto metabólico da biosfera, para os espiritualistas, estaríamos numa escola de evolução, sendo esta vida uma fase. O primeiro, sentindo-se finito, o segundo infinito. De uma forma ou de outra, o chamado é o mesmo, viver esta limitada vida sendo o que se é da melhor forma, em meio às perdas e lutos constantes. 

Não ignorar, nem paralizar no processo. O deixar-se atravessar, aprender e seguir. 

Que saibamos existir no paradoxo da finitude e da eternidade, investindo em vivermos prontos para morrer. Isto sim é libertador. 

Para momentos de perdas, entre tantos livros sobre o tema, indico este: Quando tudo se desfaz: Orientação para tempos difíceis, da Pema Chodron. Sincero do início ao fim, ele te dá a mão nos desconfortos. Deixo aqui 2 trechos deste belo livro e me despeço te desejando lutos justos e conscientes.

“Assim é a vida. Não sabemos de nada. Dizemos que algo é bom, dizemos que algo é ruim mas, na verdade, simplesmente não sabemos.

Quando tudo se desfaz e nos encontramos à beira sabe-se lá de que, o desafio que se apresenta a cada um de nós é o de permanecer nesse limiar, sem buscar alguma ação concreta, O caminho espiritual não tem nada a ver com o paraíso, com chegar finalmente ao céu. Na verdade, esse modo de encarar a vida é que nos mantém infelizes. Pensar que podemos encontrar algum prazer duradouro e evitar a dor é o que o budismo chama de samsara, o ciclo inútil que gira e gira, infinitamente, e nos causa tanto sofrimento.”

“A vida é uma boa professora e amiga. Se pudéssemos perceber, veríamos que tudo está sempre em transição. No fim, nada é como sonhamos. Esse estado descentralizado e indefinido representa a situação ideal. Nesse ponto, não estamos presos a nada e podemos abrir nosso coração e mente além de qualquer limite.”

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