Reflexões > Que nossas identidades não sejam mais injustiçadas
Que nossas identidades não sejam mais injustiçadas
Data
- April 15, 2024
Criador
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A relação que existe com o cuidado, afeto, autoestima e amor começa, pra muita gente, pelo cabelo.
Hoje, a partir do meu grau de consciência, me considero um homem autodeclarado pardo (de acordo com as classificações que o IBGE usa). Sou nascido e criado, na Zona Norte do RJ, no subúrbio carioca, filho de uma mãe preta, gorda, de cabelos crespos.
Há poucos dias, postei uma foto da minha mãe quando ela era bem nova e recebi muitas mensagens dizendo: “Nossa! Como você é parecido com ela!” E eu fico todo feliz com isso! Tenho muito orgulho dos meus traços físicos e estéticos lembrarem muito os da minha mãe.
Eu cresci vendo minha mãe alisar os cabelos, com ferro quente e passar henê. Pra quem não conhece, o henê é um produto cosmético para tratamento capilar usado como alisante e que colore os cabelos de preto. Vi, por muitas vezes, a cena das minhas tias e minha mãe – todas mulheres pretas – se ajudando, uma passando henê na outra. E achava aquilo super natural – a marca das mulheres pretas. Elas faziam isso ouvindo Roberto Carlos, Elis Regina, Julio Iglesias. Aqueles momentos ficaram registrados, na minha infância, como momentos de autocuidado, de afeto, de autoestima e de amor.
Em paralelo a isso, em Cascadura, onde morei maior parte da minha vida até hoje, convivi com a molecada da rua e com os colegas do colégio em que estudei. Todos os garotos usavam o cabelo raspado, aquele estilo máquina 2, sabe? Nem tão na pele, mas que, assim que começava o pelo já crescer e ficar com “frizz” (rsrsrss), era sinal de: bora passar a máquina de novo… Isso me fez frequentar salão para estar sempre com o “cabelo em dia”. Ao mesmo tempo, me colocando sempre diante de um ambiente extremamente violento, do ponto de vista moral – um dos maiores antros de masculinidade tóxica.
Corta para 2019. Já tinha completado os meus 40 anos de vida. Casado, mais maduro e fazendo terapia. Passei a me olhar com outros olhos. Olhos de cuidado, olhos de afeto, olhos de autoestima e olhos de amor. Resolvi deixar meu cabelo crescer. Parei de cortar com máquina, se usava era para fazer ajustes e detalhes nos cortes. Deixei meus cabelos crespos se tornarem um pequeno “black”. Foi a época em que passei a me sentir mais bonito, a me reconhecer como homem negro (sou da ancestralidade de uma família materna toda negra), e estudar sobre antirracismo. Hoje, já li mais de 20 livros que tratam dessa questão e ainda não sei tudo que eu penso que poderia / deveria saber.
Hoje, aos meus 46 anos, sonho em ser pai. E comento sempre com minha esposa, quando tivermos nossos filhos – se menino ou menina como serão seus cabelos. É impressionante como sempre penso nos cabelos…
Eu sei que minha mãe, antes de partir, deixou muito ensinamento em mim. E um dos mais valiosos foi a alegria em se reconhecer uma pessoa com autoestima elevada. Sei de onde vim e reconheço hoje por tudo que passei. Acredito que esse seja o grande “Poder da Criação” (ouça, por favor, a música do João Nogueira com esse título).
A mensagem que mais quero frisar aqui nessa coluna é sobre uma frase que aprendi com um dos meus mentores, Marcio Libar: “Jamais Serás Quem Tu Não És!”. E, claro, isso pode ser interpretado em diferentes níveis e contextos. Aqui, quero relacionar com cabelos. Reconhecer nossa autoestima, passar pela nossa autoconfiança, é se permitir ser o que você quiser ser. Com dreads, tranças, coques, penteados, lisos, desgrenhados, presos, esvoaçantes, pintados, raspados ou em transição… Que eles sejam seus e como você escolher.
Tão importante quanto cuidar dos cabelos é cuidar bem da divindade cabeça.
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