Meu cabelo pardo é assim

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Por Aline Silva

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Apesar de a parte visível do nosso cabelo ser considerada como a parte morta, pois a parte viva seria o bulbo que fica dentro da raiz, algumas culturas acreditam que o cabelo seria a extensão da alma. O que podemos dizer com certeza é que o cabelo muitas vezes representa a raça, o seu estilo, humor, pode representar a idade e por isso eu vou dizer que esta é a parte do nosso corpo que além de expressar nossa aparência também pode expressar nosso estado mental. 

É claro que o conjunto corporal compõe essa leitura, mas seria do cabelo o papel de protagonista? 

Eu sou uma mulher parda, e comecei a questionar se eu era mesmo lida como parda pela maioria das pessoas ao ser confrontada sobre a minha etnia por uma amiga nigeriana, entrei em um processo de investigar com amigos e familiares como eles me identificavam, branca ou parda. Minha mãe foi a primeira pessoa com quem eu falei, e por ela ser uma mulher negra retinta a resposta foi logo que ela me via como branca, depois passei a falar com primos e amigos próximos. As respostas variavam, em suma, muitos se baseavam em que apesar da minha cor de pele ser dos tons mais claros na cultura negra, eu tenho o cabelo quase crespo com cachos, às vezes sem frizz outras vezes arrepiado, mas definitivamente não é um cabelo de herança européia. Para entendedores sobre curvaturas de cabelo, é um 3B. 

Não demorou muito pra eu entender que meu cabelo tem um papel importante na minha composição corporal, na minha expressão e na forma como eu manifesto as minhas crenças, meu lugar no mundo, minha parditude. Eu sinto como se essa parte de mim fosse a mais viva e autônoma de todas, meu cabelo tem humor próprio, e respeitar esse jeito liberto de se apresentar nem sempre foi a minha postura. 

Como muitas pessoas afro descendentes podem contar, eu também tive vários momentos onde na infância era de dor, fosse no momento em que a minha mãe me colocava contra a parede para fazer a trança raiz que me deixava com dor de cabeça de tanto que apertava ou na escola pelas piadas sobre meu cabelo servir como o bombril para sintonizar a antena da tv (os mais antigos entenderão, rs) e que se tocassem podiam furar o dedo. Já alisei o cabelo com ferro de passar roupas e também já vi toda a minha cabeleira cair em 1 semana por causa de uma química chamada permanente afro. Hoje em dia, com mais produtos adequados à venda, e eu tendo dinheiro para comprá-los, meu cabelo se expressa de outras formas, com mais brilho e maciez, sem perder o volume que é a parte que eu mais gosto.

Trago minhas experiências como uma forma de aquecimento pra gente refletir juntos sobre: Será possível descolonizar o nosso cabelo sem que a indústria da estética e dos cosméticos ofereçam os serviços e produtos adequados para cada tipo de cabelo? Seria possível mobilizar toda uma indústria através de uma luta individual? Seria o nosso black power capaz de resistir em massa sem que um movimento coletivo desencadeasse a onda de transição capilar que assistimos nas redes sociais? Meu filho tem um pouco mais de um aninho de idade, e chora todos os dias na hora de desembaraçar o blackinho dele, poderíamos simplesmente cortar e deixá-lo menos triste todos os dias. Mas nós escolhemos dar a ele a herança de uma relação de respeito e poder com seu cabelo, que ao mesmo tempo que é chato de cuidar também é um dos elogios mais frequentes que ele recebe, queremos que ele cultive estima pelo crespinho como nós não tivemos a oportunidade de cultivar, que ele sinta orgulho e quem sabe se descolonize em não seguir os padrões de beleza importados da Europa compulsoriamente. 

Seu cabelo é protagonista, coadjuvante ou figurante na sua leitura de você? 

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