Luto

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Por Aline Silva

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Antes de escrever este texto eu fui buscar o significado de luto no dicionário, pois senti que tenho me acostumado a ouvir este termo em várias situações que antes eram estranhas pra mim. No dicionário encontrei significados como amargura e profunda tristeza, e lendo isso, fez ainda mais sentido pra mim o que eu vou compartilhar a seguir com vocês.

Quero começar contando sobre a minha rotina de atleta de alto rendimento, durante mais de 15 anos da minha vida. É basicamente assim, sem exageros: acordar e tomar um café da manhã pelo menos 1h30 antes da primeira sessão de treinamento, treinar por aproximadamente 2h e depois tomar um banho, normalmente neste pequeno intervalo antes do almoço colocamos gelo nas dores e descansamos um pouco, se já for um dos top atletas do alto rendimento é possível que tenha algum compromisso com equipe multidisciplinar como fisioterapeuta, psicóloga, nutricionista ou médico, todos focados na performance. Almoçamos e dormimos para recuperar e conseguir treinar tão bem quanto foi de manhã à tarde. Depois do segundo treino é banho, gelo ou equipe multi, jantar e dormir para no outro dia começar tudo de novo.

Basicamente essa rotina se resume em treinar, comer e dormir. E fazemos isso todos os dias por longos anos. Para atletas de esportes olímpicos, tudo é resumido em ciclos de 4 anos, e a cada 4 anos, muitos de nós, especialmente todos aqueles que não saíram das olimpíadas com a medalha de ouro, vivemos um luto.

Eu me lembro como se fosse hoje o dia seguinte das minha luta nas olimpíadas da RIO2016, eu estava completamente perdida, pois até aquele dia eu tinha horário para absolutamente tudo, eu sabia exatamente como meu dia seria amanhã e depois e depois. Eu nunca senti um vazio tão grande dentro de mim. Depois desse vazio veio a tristeza profunda, foi quando a ficha caiu que eu tinha me dedicado por vários anos da minha vida a um sonho da medalha olímpica, e naquele momento eu só conseguia pensar que eu tinha fracassado.

Tentar lutar contra essa tristeza parecia inútil, quando mais eu tentava, mais eu chorava. Foi quando minha ginecologista, me ouvindo falar com muita mágoa de toda a minha trajetória e dedicação fracassada no esporte, me disse que não era justo eu colocar o esporte que também me deu tantas coisas boas nessa posição, que não era justo com este esporte que eu amava. Essa fala dela me deu um chacoalhão, primeiro eu fiquei irritada pois eu sentia que eu não devia ligar para mais nada além do meu sofrimento naquele momento!

Com o passar dos dias e digerindo melhor aquela fala, eu comecei a pensar que o luto e a minha tristeza profunda não estavam me deixando sentir o quão sortuda eu sou por ter vivido todos aqueles momentos.

Nós buscamos sempre algo familiar para nos ancorar e as perdas mudam radicalmente nosso estado de familiaridade para um estado de adaptação a nova fase.

Nestes momentos é muito mais difícil pensar em tudo, somos gratos por termos vivido, por todas as pessoas que fomos capazes de amar, mas o que fica é a dor de não ter isso pra sempre.

A vida de atleta é uma experiência única, assim como cada relacionamento com pessoas que amamos é, assim como cada fase de vida que nos despedimos sem nos dar conta, como a infância.

O luto pode estar presente em todas as situações onde nos despedimos permanentemente de algo e isso nos causa tristeza, mas peraí, se causa tristeza é porque foi bom, as vezes muito bom!

Se você pudesse escolher entre a profunda tristeza de perder permanentemente algo ou um vazio de não saber o gosto daquilo, o amor tão grande que chega dói, a dedicação intensa em algo a ponto de te mudar pra sempre?

Eu com certeza escolho a profunda tristeza do luto. Me aposentar no esporte foi mais difícil que perder a medalha olímpica, nunca mais serei a Aline Atleta de Elite, agora sou mãe do Malik e empresária, já amando incondicionalmente de doer e me dedicando obstinadamente a outros objetivos a um ponto que eu sei que estou sujeita a viver o luto de novo se isso mudar.

A única certeza que eu tenho agora é que o meu risco de sentir dor profunda do luto é proporcional ao tamanho da felicidade vivida com pessoas incríveis que eu tenho a sorte de conviver.

Me parece que diante de tudo isso, a melhor solução é viver e deixar doer o tempo que tiver que doer a perda para nos curar e aí a gente começa tudo de novo!

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