Eu amo ser mulher, amo ser mãe, amo trabalhar.  Então por que precisei optar tantas vezes entre  a carreira e a maternidade?

Um dia eu participei de uma mesa em um congresso. O que seria mais um dos milhares de eventos do trabalho mudou minha percepção sobre mim e meu futuro enquanto mãe. Uma pergunta ruim que me fez encontrar parte da resposta para a minha culpa materna.

Data

Criador

Antônia Burke

Ver Hora

2 minutos minutes

Um dia eu participei de uma mesa em um congresso. O que seria mais um dos milhares de eventos do trabalho mudou minha percepção sobre mim e meu futuro enquanto mãe. Uma pergunta ruim que me fez encontrar parte da resposta para a minha culpa materna.

Ao fim do debate, o mediador fecha com o questionamento clichê: “o que vocês diriam para as suas versões mais jovens?”. Fui pega de surpresa, não estava no roteiro. Por sorte, fiquei por último.

Todas as mulheres da mesa deram suas respostas: “tenha menos medo”, “acredite mais no seu potencial”, “assuma as rédeas da sua vida”, “invista nas suas ideias” e tantas outras que, inclusive, também me ocorreram quando pensei na minha resposta.

O problema é que não era o que eu estava sentindo. Em vez de tratar como uma pergunta de encerramento, encarei como uma investigação de mim, ali em três minutos. O que eu diria para a professora de 24 anos, mãe solo de uma criança de 2, que chegava a dar 60 tempos de aula por semana? Lembrei dela com uma mistura de pena e alívio.

Chegou minha vez. E o único conselho que me ocorreu foi “faça menos, se esforce menos, seu filho nunca mais vai ter 3, 5 ou 10 anos de idade de novo”. E essa é a verdade, eu queria ter feito menos.

Não queria ter acordado às 4h e chegado em casa às 23h tantas vezes. Não queria ter aceitado substituir tantos professores experientes que passavam mal de madrugada e me pediam para encarar suas turmas de 150 alunos sem nunca ter dado aula de Barroco ou Orações Subordinadas na vida. Não queria ter passado tantos dias sem ver meu filho de olhos abertos. Queria ter frequentado mais a pracinha, ter ido a mais festas e eventos da escola. Queria ter mais sábados passando os dedos naqueles cabelos fininhos durante horas em vez de implorar pra que ele me deixasse dormir só mais um pouquinho, pelo menos até meus pés pararem de latejar. ‌

Queria ter reduzido a minha carga quando passei um mês na UTI e todos os desenhos dele eram sobre a mãe saindo do hospital ou contando que estava curada. Não queria ter aceitado o cargo que recebi menos de dois meses depois disso. Não queria ter voltado a trabalhar o mais rápido possível, mesmo antes de ter um diagnóstico fechado. Queria ter pedido mais ajuda, mas queria ter precisado pedir menos.

Parece um grande quebra clima – me culpei por isso depois – mas era o que eu sentia do fundo da minha alma e não fui capaz de me esconder de novo atrás da imagem alcançada de executiva que dá conta de tudo. Principalmente porque seria injusto com aquela professora que desejava tanto chegar onde está hoje.

“Mas se você sabe que desejou tanto, como pode dizer que gostaria de ter feito menos? Você não teria conquistado tantas coisas!”, me indagam as pessoas quando conto sobre esse dia. Exato. Por que eu tive que fazer tanto?

Eu amo ser mulher, amo ser mãe, amo trabalhar. Então por que precisei optar tantas vezes entre a carreira e a maternidade? O que eu não amo é justamente isso: o fato de que mulheres ainda precisam escolher entre questões tão essenciais para uma vida equilibrada e saudável.‌

Por que temos mais CEOs homens nas empresas, é uma questão apenas de competência? Por que mulheres deixam de ser contratadas quando dizem que têm filhos pequenos? Por que ainda recebem menos? Por que precisam se esforçar o triplo para obter reconhecimento? A Angela Davis tem uma frase famosa que me motiva bastante quando penso nesse assunto: “Não aceito mais as coisas que não posso mudar, estou mudando as coisas que não posso aceitar”.

Aquela experiência me fez compreender que o equilíbrio entre trabalho e família não deve ser um luxo ou uma exceção, mas uma necessidade fundamental. Afinal, não são apenas os cargos ou as conquistas profissionais que definem minha felicidade. E, não me entendam mal, elas me definem em muitos aspectos, mas não me resumem, como eu quis acreditar durante tanto tempo.

Hoje, meu filho tem 15 anos. Ainda passamos muitos perrengues juntos e eu ainda trabalho bastante, embora com mais dignidade. A diferença é que todos os dias tento transformar a nossa relação. Não “compensando” as minhas ausências, mas oferecendo tempo de qualidade sempre que posso, conversando com ele sobre o que passou e, acima de tudo, me perdoando.E é isso que desejo para nós. Que nesse mês da mulher a gente possa se perdoar mais, se agradecer mais. Que possamos reconhecer nossos próprios esforços e celebrar cada um deles, mas com a consciência de que devemos lutar para que as próximas gerações de mulheres precisem fazer menos, lutar menos, exigir menos. Feliz Dia da Mulher!

Talvez você também goste