Escutar com abertura é um ato de resistência

O poema acima se chama “Retrato” e foi escrito em 1939, no livro “Viagem”, por uma dos maiores nomes da literatura brasileira: Cecília Meireles. Por se tratar de um texto que aborda a transitoriedade da vida, o considero atemporal e, por isso também, super relacionado aos nossos dias de hoje - em que nos prendemos aos aspectos físicos de maneira espetacularizada, a ponto de buscarmos nos parecer perfeitos/as e admiráveis ao extremo, nos colocando diante de uma identidade cada vez mais narcisista. 

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Criador

Por Edu Valladares

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Eu não tinha este rosto de hoje,

Assim calmo, assim triste, assim magro,

Nem estes olhos tão vazios.

Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,

Tão paradas e frias e mortas,

Eu não tinha este coração

Que nem se mostra

Eu não dei por esta mudança,

Täo simples, tão certa, tão fácil:

– Em que espelho ficou perdida

a minha face?

O poema acima se chama “Retrato” e foi escrito em 1939, no livro “Viagem”, por uma dos maiores nomes da literatura brasileira: Cecília Meireles. Por se tratar de um texto que aborda a transitoriedade da vida, o considero atemporal e, por isso também, super relacionado aos nossos dias de hoje – em que nos prendemos aos aspectos físicos de maneira espetacularizada, a ponto de buscarmos nos parecer perfeitos/as e admiráveis ao extremo, nos colocando diante de uma identidade cada vez mais narcisista. 

O que gosto muito, nesse poema, é a profundidade do sentido da palavra “retrato”. Em geral, costumamos associar um retrato a algo que registra uma componente física – a imagem – enquanto nos versos de Cecília, isso é muito mais profundo, captando aquilo que se passa internamente. No texto, há uma comparação clara entre o que aconteceu antes em sua vida e no momento presente àquela escrita. Quando se fala do presente, vemos registrado bem fortemente o sofrimento. Mas o que mais me chama atenção, no poema, é o encerramento feito com uma pergunta: “Em que espelho ficou perdida a minha face?” – inclusive, não respondida. É, justamente, nessa hora, que a voz que fala no texto assume que já não se reconhece mais depois da sua transformação e deseja saber em que momento perdeu a sua identidade.

Aprendi e tenho aprendido, ao longo da minha vida, com muitas mulheres. A primeira, sem dúvida, com a Dona Madalena, minha mãe (que não está mais nesse plano há 19 anos). Aprendi com ela sobre arte, sobre expressividade, sobre encantamento com as coisas da vida, sobre alegria e graça. Não aprendi, no entanto, com ela sobre diálogo. Infelizmente, não tivemos muito, dado o contexto que tive na minha criação. 

E foi, durante a minha carreira profissional, sendo professor, gestor, liderança em empresas e empreendedor, e também na minha vida conjugal, que aprendi sobre diálogo. Foi com a vida real que aprendi a respeitar os pontos de vista, entender os diferentes contextos, a desenvolver uma  escuta ativa. E com quem mais desenvolvi isso até hoje foi com mulheres. Mulheres são mais atentas, são mais verdadeiras, são mais sensíveis.

Escutar é um verbo muito curioso, sabia? No latim “auscultare”, significa “ouvir com atenção” e que também deu origem à palavra auscultar, muito usada na medicina. E, no grego, escutar tem a ver com a palavra homolegein, onde o prefixo homo é “o mesmo”, “igual” e legein está ligado ao “dizer”, ao “diálogo”. Ou seja, não é algo passivo, mas de construção coletiva. 

Hoje em dia, falo sobre aprendizagem e trabalho com um conceito, o da Aprendabilidade – habilidade de aprender com vulnerabilidade e posso garantir que isso remete, na prática, a um novo letramento em aprendizagem – a como sermos mais afetivos/as, colaborativos/as, sensíveis, destemidos/as. 

“No passado, os empregos dependiam dos músculos, agora dependem do cérebro,

mas, no futuro, eles vão depender do coração.”

Minouche Shafik

Em que espelho ficou perdida nossa sensibilidade? Nossa capacidade de sermos mais escutadores/as de quem precisa e de quem está carente de atenção e afeto? 

Aprendi, com a minha companheira de vida pessoal Mariana, que chorar é colocar pra fora o que temos dentro, que, de tão grande, não cabe na gente: é transbordar; seja de tristeza ou seja de alegria. É quando conseguimos não segurar, não prender, não travar. E a pergunta que deixo é: por que travamos, prendemos, seguramos? Será que é porque não aprendemos com as mulheres? 

Nesse mês de março, assim como em todos os outros meses e situações diárias, eu me coloco numa posição de humildade, sintonia e respeito, me desconstruindo em vários degraus da posição machista de ser do homem e destaco as histórias, os ensinamentos, as experiências trazidas e ensinadas por Bell Hooks, Djamila Ribeiro, Elza Soares, Rebeca Andrade, Angela Davis, Sueli Carneiro, Evaristo Conceição – de enfrentamento, de bravura, de encantamento, de inquietação, de descobertas e de sensibilidade.

P.S.: Em fevereiro de 2022, conheci a Paty Cozer que me apresentou o livro “Pessoas Altamente Sensíveis”, da autora Elaine Aron. Nele, há um teste em que você pode se autoavaliar e se descobrir (ou não) como uma Pessoa Altamente Sensível. Eu fiz. Garanto a você que será uma avaliação incrível para despertar em você uma conexão real com todos e todas à sua volta. Segue aqui o link:  https://bit.ly/teste_pas – pra você fazer também e tomara que aprendamos a nos escutar mais. 

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