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Sarah Kilgallon :: Ep.04
Data
- September 1, 2023
Criador
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Sarah Killgallon, artista, fotógrafa e amante de cachorros, recebe Pedro Pirim, que relembra o propósito da Voz Futura e começa a entrevista com uma pergunta incomum para tal: “Como você está hoje?” Sarah está bem, mas cansada, uma mistura da pressão do trabalho e da aventura de três horas em que saiu com seu cachorro mais cedo no dia. Ela diz que talvez não seja um dia cheio para padrões americanos, mas é para os padrões portugueses, que ela prefere.
Sarah conta que cresceu no estado de Boston, nos Estados Unidos, em uma família testemunha de Jeová. Por um lado, ela cresceu com a pressão da religião, e por outro, a pressão acadêmica devido à Boston ser um polo de instituições privilegiadas. Ao longo dos anos, Sarah percebeu que nenhum desses dois mundos era pra ela; saiu da religião na adolescência e apesar de ter estudado e até feito um mestrado em Belas Artes, seu caminho sempre foi fora da curva. Ela conta que teve um pequeno negócio no qual cuidava de cachorros, além de os levar em trilhas e tirar fotos deles. Quando fez o Caminho de Santiago, em 2013, Sarah se apaixonou por Portugal e pelo ritmo em que as pessoas lá levam a vida. Ela compartilha o simples exemplo de, na época, não existir café “para viagem” ali: a única opção é sentar e tomar com calma.
A arte me deu espaço para finalmente respirar.
Crescendo dentro da comunidade de testemunhas de Jeová, o mundo de Sarah era um mundo pequeno. Estava cercada das mesmas pessoas sempre, o que enquanto criança não a incomodava e era até agradável. Porém, conforme foi ficando mais velha e conhecendo pessoas de fora da religião, ela começou a questionar algumas das coisas que havia sido ensinada por toda sua vida. A ideia de que eram o “povo escolhido”, por exemplo, não fazia sentido em sua cabeça. Na adolescência, isso se manifestou em uma atitude rebelde; Sarah diz que não era articulada e escolhia mostrar sua insatisfação quebrando as regras. Pedro comenta que ela fala disso com um tom baixo, como se para que não escutassem, e ela diz que na verdade é porque demorou muitos anos para falar disso sem raiva. Ela passou seus 20 e 30 anos processando e sentindo essa raiva, que Sarah define como o fogo dentro dela. Como exemplo, ela conta, rindo, uma anedota da vez que, já irritada por uma briga boba com o marido, gritou com dois jovens mórmons que a abordaram na rua com uma bíblia. O tom baixo é a maneira que encontrou (além de se cercar de tons de azul, “cool blue”), depois de muita reflexão e auto-análise, de controlar essa raiva acumulada e guardada, já que as coisas não acabaram bem. Sarah foi expulsa da religião e foi algo dramático e intenso, que durou três anos até que mudassem as regras.
Pedro questiona se seria certo dizer que ela ainda carrega raiva, e Sarah responde que com o tempo aprendeu a expressar esse sentimento—mas reconhece que quando se trata de assuntos próximos de seu coração, como diretos das mulheres e a liberdade fundamental de ser você mesmo, seu fogo existe e queima intenso. Pedro comenta que liberdade parece ser um tópico importante para ela e pergunta mais sobre como foi sair de um ambiente tão limitante e cheio de regras. Ela conta que depois de se libertar, não sabia o que fazer com sua vida, chegando a casar cedo (apesar de hoje a instituição do casamento pessoalmente não a remeter liberdade), estudar literatura inglesa e escrever por um tempo. Sarah concorda que sim, liberdade é um assunto muito importante para ela, não por ser americana, mas porque desde sempre soube que tinha que poder dizer o que queria dizer—e isso não era possível dentro da religião.
Em relação à arte, ela já teve muitas dúvidas. Cresceu em uma família de classe média-baixa, então sabia o que era ter falta de certas coisas e não queria passar por isso como artista. Sarah diz que teve muita fortuna—não sorte—de encontrar cachorros em sua vida, pois além de acalmarem seu espírito, passar o dia com eles na natureza também permitia que passasse o dia tirando fotos. Ela podia fazer tudo em seu tempo, e aprendeu como ficar em silêncio consigo mesma. Sarah considera cachorros ótimos professores, pois só usam sua “voz” quando necessário. Com a fotografia de cães, ela percebeu que capturava momentos que talvez ninguém reparasse e realizou, de certa forma, o sonho de infância de ser fotógrafa da National Geographic. Sarah conta sobre a colagem que fez para comemorar 10 anos fazendo fotografia de cães e que hoje está nas paredes do Boston Children ‘s Hospital. A inspiração para a colagem veio depois de três meses sem fotografar cães, quando viu uma vídeo colagem de João Pombeiro. A partir daí, o processo de ser artista em que já estava só se acelerou. Sarah é muito inspirada por Lisboa e a luz da cidade; ela já sabia que era para lá que queria ir e se mudou oficialmente quando a pandemia aconteceu.
Pensando nas pessoas que também se sentem presas em uma situação parecida, Pedro pergunta qual foi o “click” que fez Sarah se libertar de sua vida antiga e encontrar sua vida atual como artista. Deixar sua família foi algo naturalmente muito traumático, e depois de períodos de depressão durante a vida jovem adulta e adulta, a arte foi a maneira que Sarah encontrou de respirar. Ela conta que precisou ser hospitalizada algumas vezes devido à essa depressão, já que ela ia sem parar até chegar em um ponto de exaustão. Sarah também frisa que não é tão simples quanto “só parar” ou “só fazer”, e é importante acreditar quando alguém te diz estar passando por isso. Entre as coisas que a ajudaram, estão o descanso proporcionado pela hospitalização e anti-depressivos, que ela considera importantes apoios até que pudesse se segurar sozinha, além da arte e da terapia.
Sarah conta que seu psicológico em particular segue a linha lacaniana, mas o que ela admira na análise em geral é que, assim como a arte, quando você vai juntando as peças separadas—os pensamentos—eles fazem juntos uma imagem completa. A liberdade de falar sobre tudo e qualquer coisa na terapia foi essencial para ela, principalmente porque ao longo do tempo as coisas vão se conectando e na análise tudo é sobre dar tempo ao tempo, afinal. Ela considera a conversa e a Ciência Social um tipo de arte que também a libertou. Resgatando um pensamento que havia perdido, Sarah diz que o que a levou para a arte é a mesma coisa que a fez sair da religião: o desejo de viver sua vida por si mesma e não de acordo com os planos de ninguém.
Pedro traz a frase de John Steinbeck: “Nós encontramos depois de anos de desafios e sofrimento, que a gente não faz a viagem, a viagem nos faz.” Ele comenta que isso parece se aplicar muito ao caso de Sarah, e ela concorda plenamente. Para ela, se consegue deixar de lado (não completamente, pois ela reconhece que isso é impossível) suas expectativas, ela pode então permitir que a viagem, menor que seja, a leve para lugares talvez inesperados. Ela mostra o design de camiseta que faz com a frase, em inglês, “Adventure is everywhere” e, em português, “Aventura onde quiser.” A aventura e esse senso de possibilidade são mais das coisas que liberta Sarah.
A mensagem final que Sarah quer deixar para pessoas que talvez estejam passando por momentos difíceis e querem se libertar é que tudo bem sofrer, e o mais importante é encontrar pessoas que vão te apoiar, seja torcendo por você ou gentilmente jogando a real quando necessário. Talvez, você dê a sorte—não, a fortuna—de encontrar amores tão libertadores quanto a Sarah encontrou.
Os cães são professores perfeitos, porque eles dificilmente usam a “própria voz”, só quando realmente precisam.
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