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Giu Alfeo :: Ep.03

“Ser eu sem ter que pedir permissão” - (É difícil traduzir “unapologetically”).A partir da combinação das artes do longboard e da dança, Giu expressa sentimentos que às vezes são difíceis de capturar quando tentamos colocar em palavras. Em um mundo viciado nas mídias sociais onde as pessoas se sentem intituladas a julgarem a terem uma opinião sobre tudo e todos, encontrar alguém como Giu é um respiro.É difícil encontrar alguém como Giu que seja capaz de dizer: “tudo bem errar (ou fazer merda) de vez em quando”. Tenho que admitir que isso me dá um sentimento de paz interior.

Data

Criador

Interviewer: Pedro Pirim

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29 minutes
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Nas ruas de Lisboa, Pedro Pirim entrevista Giu Alfeo, dançarino de longboard, para a Voz Futura. Giu é originalmente da Alemanha, mas hoje vive em Portugal—mudança muito bem vinda considerando que os invernos são mais curtos e menos severos, o que significa menos tempo durante o ano longe do longboard.

 O outro motivo responsável pela decisão de deixar a Alemanha é sua relação com sua família. Giu relembra que o começo de sua vida definitivamente não foi fácil, pois em sua família a violência era frequente. Hoje, ele já não tem mais contato com eles. Para Giu, o momento em que ficou claro que deveria cortar contato foi quando, depois de uma vida em um ambiente homofóbico, ouviu sua mãe dizer que acreditava que homossexuais são pessoas doentes. A relação com a família era desgastante e demandava energia demais como pessoa queer em um ambiente tão hostil. Apesar de dolorosa, a decisão de afastar-se foi completamente transformadora para Giu. O sentimento de liberdade colocou tudo em perspectiva, e apesar de não recomendar a experiência para ninguém, Giu reconhece como ela o faz apreciar mais a liberdade que tem hoje.

Ele conta que se identifica como uma pessoa trans não-binária que é pansexual. Seus pronomes são ele/elu (o equivalente do “they” em inglês.) Até o começo da vida adulta, a vida de Giu foi marcada pela heterossexualidade compulsória, e hoje ele se encontra passando por um certo luto em relação às oportunidades perdidas de explorar seu interesse em mulheres durante sua adolescência. Mesmo conhecendo pessoas gays, a homofobia que observava na sociedade e em sua própria casa fizeram com que não conseguisse ver essa oportunidade para ele mesmo. Atualmente, fazem dois anos que se assumiu. 

 

Uma coisa que ouvimos muito são pessoas nos dizendo ‘você tem tanta coragem.’ Mas na verdade não. Nós sentimos medo o tempo todo.

Photo: Felipe Cantieri

Giu também ressalta como sempre se entendeu como uma pessoa fluída em sua maneira de se expressar, de hobbies à roupas, e conforme foi conhecendo outras pessoas trans percebeu que isso também se relacionava ao seu gênero. Conhecer melhor a comunidade e dividir com outras pessoas trans também trouxe vocabulário para denominar experiências que tinha tentado entender por sua vida toda. A expressão “disforia de gênero”, por exemplo, nomeou uma sensação de “desconforto” com a qual Giu era familiar. Ele também conta que, em sua experiência, ele não “sempre soube” como se identificava. Na verdade, ele acredita que sua identidade é inerentemente fluída, e frisa a importância do compartilhamento de experiências e histórias para que finalmente pudesse se entender melhor.

Pedro começa a próxima pergunta apontando a coragem de Giu, que o interrompe—isso é algo que a comunidade trans escuta muito, mas ele discorda. Giu argumenta que pessoas trans, na verdade, tem muito medo do perigo em que se colocam simplesmente para viver sua vida sendo eles mesmos. É menos uma questão de coragem e muito mais sobre necessidade. Pedro agradece a explicação de Giu, frisando a importância de aprender, escutar, e se educar em relação à comunidade e à linguagem usada, pois é algo que muitos de nós ainda não sabemos tanto sobre.

A próxima pergunta é sobre a existência de um mês do orgulho LGBTQIA+, e Giu conta que não tem uma opinião completamente formada. Por um lado, o aspecto educacional é essencial, mas ele se pergunta se essa educação acaba por não ficar apenas dentro da comunidade. Apesar disso, ele acha que ter uma data exclusiva para o orgulho deve sim ter um efeito positivo de conscientização. Giu também aponta a importância da educação mesmo entre membros da comunidade, pois as experiências queer são únicas e variam muito entre si. Ele dá o exemplo das experiências homossexuais e trans, que são muito diferentes. Giu também aponta que pessoas trans muitas vezes sofrem preconceito da comunidade gay, da mesma maneira que pessoas não-binárias frequentemente sofrem preconceito da própria comunidade trans. Exatamente por isso, Giu reforça a importância de educar e informar-se, pois a falta de informação é o que leva ao ódio e violência.

Seguindo, Pedro pergunta a Giu sobre seu lado profissional, comentando que nunca tinha conhecido alguém que pratica longboard antes. O primeiro longboard em que subiu era de um amigo de um amigo, ao fim de uma festa dez anos antes. No começo, explorou longboard em geral, mas com o tempo, influenciado por seu passado com a patinação, chegou na dança no longboard. Ao ser aprovado em uma faculdade parisiense, a razão da empolgação de Giu era a vibrante comunidade de skating da cidade. Para ele, a troca com outros skatistas e as oportunidades de conhecer pessoas novas são uma parte essencial da atividade. Ele conta que a comunidade é muito ativa não só na vida real, mas também no mundo digital, sempre filmando um ao outro e compartilhando nas redes. Desta forma, Giu acabou viralizando e a partir daí surgiram oportunidades de ganhar dinheiro com o longboard. Junto com o trabalho como professor de longboard, o crescimento nas redes sociais e participações em comerciais que surgiram posteriormente financiam o treinamento de Giu, que inclui workshops e aulas de dança diárias. Além disso, hoje ele também tem a oportunidade de trabalhos relacionados à expressão artística, como um solo de 17 minutos que fez na Suíça recentemente depois de meses de treinamento.

Pedro compartilha a ideia apresentada por seu curso de psicanálise de que a única universalidade do ser humano é a singularidade, questionando que conselho Giu daria para alguém que se sente diferente. O dançarino conta que a maior lição que teve em sua própria vida é que não pode agradar a todos. Ser você mesmo é difícil, e tem pessoas que vão discordar de você, mas também te traz uma liberdade sem a qual não é possível ser feliz de verdade. Saber quem você é também possibilita que você conheça pessoas que te entendem, e encontrar “suas pessoas” te dará força e confiança para continuar sendo você.

Giu conta que muitas vezes durante suas aulas, seus alunos tem momentos de emoção intensa não-relacionada ao longboard. Por exemplo, uma correção da postura fechada pode engatilhar a insegurança à qual está relacionada, fazendo com que o aluno se abra e chore. Pedro pergunta se Giu sente que usa a dança de longboard para se curar de seus traumas. Ele conta que nunca pensou sobre, mas que sem dúvida a dança é algo sempre íntimo e vulnerável. Para ele, o skate não é precisamente uma forma de curar seus traumas, mas sim de processá-los, e ele admite que sim, já chorou (muitas vezes) no longboard.

Em seguida, Giu responde como lida com questões de saúde mental. Ele conta que é complicado, pois apesar de trabalhar com algo que ama, também é algo muito incerto, o que pode trazer dificuldades. Recentemente, Giu também começou a entender que provavelmente tem TDAH, e tem sido um processo importante para se compreender melhor. Pessoas com TDAH frequentemente escutam que são preguiçosas, e aprender mais sobre o transtorno ajudou Giu a ser mais gentil consigo mesmo e reconhecer que assim como tem limitações, também tem muitos pontos fortes: o próprio TDAH pode ter tornado mais fácil que “saísse da caixa” e explorasse a dança de longboard.

Por último, Pedro pergunta qual a mensagem que Giu quer carregar em sua voz para o mundo. Ele responde que o mais importante é ser você mesmo sem pedir permissão, mas também entende que esse é um processo que não acaba nunca. Giu também aponta novamente a importância de se educar sempre. Ao fim, ele frisa que devemos nos perdoar e jamais nos cobrar a inatingível perfeição—a graça está na vulnerabilidade e imperfeição que possibilitam conexão humana, e isso fica claro quando você conhece Giu Alfeo.

Acho que minha maior lição foi aprender que não vou fazer todo mundo feliz, e eu não preciso agradar todo mundo, e tudo bem.

Photo: Felipe Cantieri

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