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Cláudia Sampaio :: Ep.05

Essa é Cláudia R. Sampaio, artista plástica, escritora e poetisa—e esse é o Manicômio, coletivo de artistas que foram diagnosticados com problemas ligados à saúde mental e que foram internados ao longo da vida.

Data

Criador

Interviewer: Pedro Pirin

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29 minutes
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A artista Cláudia Sampaio recebe Pedro Pirim no Manicômio, um coletivo de artistas que foram diagnosticados com problemas ligados à saúde mental e que foram internados ao longo da vida. Ele conta que a Voz Futura encontrou aquele lugar e a artista por recomendações à ambos. A primeira pergunta é simples, inspirada em um conto que Pedro leu em um livro de Cláudia: como ela acordou se sentindo hoje? Ela diz que acordou mal pois torceu alguns músculos durante a noite, mas fora isso está bem. 

O nome artístico dela é Cláudio R. Sampaio, e ela é artista plástica e poeta. Desde que aprendeu a escrever, aos cinco anos, a poesia é a maneira que se expressa. Sua linguagem poética foi admirada desde cedo; ela conta que sua avó, que era analfabeta, fazia piada quando era chamada na escola por professores suspeitos de que Cláudia mesmo havia escrito certas coisas. Na universidade, aconteceu uma reviravolta em sua jornada: ao invés de estudar Letras, ingressou no Conservatório Português de Cinema. Lá, estudava escrita para televisão e, ao mesmo tempo, continuava escrevendo seus livros de poesia.

Até então, Cláudia tinha tido pouca instrução relacionada às artes plásticas—apenas uma aula de desenho na escola secundária. Ela se considera autodidata não só da arte, mas também da própria escrita e até do tarô, ela ri. Em geral, ela sente que quando leva uma paixão para o campo acadêmico, perde o interesse, como aconteceu com o Cinema. 

Pedro questiona se Cláudia se sente diferente das outras pessoas, e ela diz que sim, ela certamente não é igual a ninguém. Ela sabe que é uma pessoa extremamente determinada, e sua chegada no Manicômio ilustra sua força perfeitamente. Depois de adoecer e ficar incapacitada de continuar trabalhando com televisão, Cláudia foi internada e ali começou a pintar e desenhar. Por dois anos após sair da instituição psiquiátrica, ela continuou pintando em casa e compartilhando suas obras na internet. Foi através de uma entrevista que Cláudia conheceu Sandro Rezende, fundador do Manicômio e mentor da oficina de artes dentro do Hospital Psiquiátrico de Lisboa. Ela o escreveu uma carta, mostrou suas pinturas para ele, que, por sua vez, a convidou para fazer parte do Manicômio: uma galeria que expusesse e representasse artistas que já haviam sido internados em algum momento. Cláudia diz que além disso, o lugar tornou-se um espaço para falar de saúde mental.

Quando Pedro questiona Cláudia sobre o momento em que adoeceu, ela conta que começou aos vinte anos. Eram oscilações de humor, crises depressivas e ataques de pânico que a levaram a procurar ajuda médica, mas o diagnóstico de bipolaridade era incerto. Ela continuou sem respostas até depois dos trinta, quando precisou ser internada e finalmente recebeu o diagnóstico final: o transtorno de personalidade Borderline. Desde então, está com o mesmo psiquiatra, tomando remédios corretos e está com a mesma psicóloga há quatro anos. Em relação ao transtorno, ela conta que ele varia muito de pessoa para pessoa e depende muito da maneira que o indivíduo foi criado. Para Cláudia, o transtorno se manifesta como oscilações de humor bem repentinas e intensas que podem acontecer até ao longo de um único dia. Ela define as crises de pânico como uma sensação de morte iminente, com palpitações do coração tão rápidas que muitas pessoas vão ao hospital achando que é um ataque cardíaco—os sintomas físicos são extremamente reais e pode ser positivo procurar um médico mesmo que seja um ataque de pânico. 

Aprender o que eram e dar nome aos ataques de pânico foi um passo importante, e hoje é raro que aconteça; Cláudia conta que a questão de saúde mental que mais a afeta são as oscilações de humor. Acontece de forma muito repentina, sem gatilho nenhum ser necessário, o que as torna imprevisíveis e mais difíceis de lidar. Pedro pergunta sobre como as pessoas em volta dela lidam com isso e Cláudia diz que sua mãe, que é sua família, é muito compreensiva e sofre de depressão. Os amigos dividem-se em dois grupos: os mais antigos, que em geral questionaram a legitimidade da doença dela, não a visitaram quando internada nem a procuraram depois, e os mais novos, que apesar de expressarem dificuldade por não saber como ajudá-la continuam do seu lado e apoiando-a como possível. O conselho que Cláudia sempre dá para pessoas que amam alguém com alguma questão de saúde mental é: nunca, nunca culpe a pessoa por estar doente.

Quando eu não sabia ainda que estava doente, sofri bastante porque era como se as pessoas não acreditassem que eu não estava bem e arranjavam todos os pretextos para me culparem de não estar bem.

A artista conta que já tentou cometer suicídio duas vezes e foi por isso que teve seu diagnóstico. Ela descreve a sensação desses momentos como “pós-dor”, não um desejo pela morte em si mas uma desistência da vida. O trabalho com a terapeuta que vem a acompanhando pelos últimos anos tem sido muito importante para ajudar a entender de onde vem os padrões do transtorno e criar mecanismos de defesa para lidar com as oscilações de humor inevitáveis. Pedro comenta que a poesia de Cláudia o faz sentir vivo, e quer saber o que faz ela se sentir viva. A resposta é rápida e certeira: escrever e pintar. Para ela, escrever e pintar são atos em transe, como se viesse de dentro dela involuntariamente, e por isso muito a ajuda a entender mais sobre si mesma.

Em seguida, Pedro menciona um poema que fala sobre o “peso dos outros” e quer saber se ela sente essa pressão externa ao pintar e escrever. Cláudia diz que esses são os momentos em que mais se sente livre, e acredita que se pensasse na reação dos outros o resultado não seria bom. Questionada sobre o que deseja que as pessoas levem da arte dela para a vida, Cláudia afirma que qualquer efeito ou reação, mesmo que pequenos, já a deixam satisfeita—ela só não quer a indiferença. Ao ser perguntada, ela responde que arte e a poesia são as coisas que mais a emocionam. Refletindo enquanto responde, ela afirma que, na verdade, são as pessoas por trás da arte que a emocionam. 

Pedro quer saber mais sobre a história de Cláudia, e ela conta que seu pai foi embora cedo; ela morava com a mãe e os avós, que viviam na mesma casa mas em quartos separados. Ela conta, com tom agradecido e confiante, que aprendeu muito sobre perseverança e trabalho árduo com a família. Ao fim, Pedro pede uma mensagem final para pessoas que talvez sintam-se diferentes e Cláudia frisa que não é culpa delas estarem doentes; uma sociedade evoluída ajuda as pessoas que precisam. Ela pede que qualquer pessoa que se sinta discriminada pela sociedade de alguma forma não desista de ser ela mesma, de procurar ajuda e não sinta vergonha. Cláudia lê um poema de seu livro, a voz forte carregando toda sua história e ao fundo uma luz amarela baixa cintilando atrás dela no Manicômio. 

Eu costumo dizer que se um poema meu ou uma pintura minha te abalar de alguma forma, te transformar um milímetro nesse instante, já é bom.

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